terça-feira, 22 de julho de 2014

Carteiras imobiliárias no cerco do Leão

"Os fundos de fundos imobiliários, que aplicam em cotas de outras carteiras e já têm sofrido com a desaceleração do mercado de forma geral, encaram no momento um dilema que tende a afetar ainda mais seu desempenho. No centro da problemática está uma questão tributária. Em posicionamento adotado ao fim de junho relativo a uma consulta feita pela CSHG, a Receita Federal esclareceu que os fundos de fundos imobiliários devem pagar imposto de renda à alíquota de 20% sobre os ganhos de capital e rendimentos obtidos na venda de cotas de outras carteiras imobiliárias. A posição coloca em xeque o apelo da gestão ativa desses fundos, em grande medida apoiada nas oportunidades de compra e venda de cotas de outros portfólios imobiliários. Ainda que coloque um fim a uma insegurança jurídica, a posição pegou os participantes desse mercado de surpresa e jogou um balde de água fria em um segmento de investimento machucado e que estava dando os primeiros sinais de recuperação. No ano passado, o Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix), que mede o desempenho de uma carteira de fundos em bolsa, apresentou queda de 12,6%, após subir nada menos que 35% em 2012. Neste ano, o índice fechou o primeiro semestre com leve valorização de 0,94%. O montante a ser pago não é certo, mas ele será retroativo, explica o advogado Flavio Veitzman, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto. Como esse passivo não era provisionado pelos fundos, se fiscalizados, os administradores poderão ser autuados. Segundo Veitzman, os impostos não pagos e os juros devem sair do patrimônio do fundo, mas os administradores podem ter de arcar com uma multa de 75% sobre o principal. “Os fundos devem se adiantar, dado o valor elevado da multa. Não haveria grande interesse de ficar numa postura passiva”, afirma o advogado. “Já há um desconforto com a posição do Fisco e ele ainda pode ser muito maior em razão de penalidades.” Se os administradores se adiantarem à fiscalização, eles ficam livres de pagar a multa, de acordo com Veitzman, e podem entrar posteriormente com um pedido de restituição do valor, alegando que a decisão da consulta está equivocada. Embora alegue que o mercado conte com instrumentos jurídicos para questionar a decisão, o advogado avalia que a discussão administrativa é complicada e que o caminho pode ser mais fácil via sensibilização das altas esferas, ou seja, do governo. Há hoje cinco fundos de fundos imobiliários negociados na BM&FBovespa: Brasil Plural Absoluto, BTG Pactual Fundo de Fundos, Fator Ifix, Gávea FII e JS Real Estate Multigestão. A Kinea, empresa de investimentos alternativos do Itaú Unibanco, ainda está em período de captação de um fundo de fundos no valor de até R$ 200 milhões. O valor de mercado dessas carteiras ainda é pequeno, de cerca de R$ 2,24 bilhões no fim de junho ante R$ 28,2 bilhões da indústria como um todo, o que é natural, já que esse segmento ainda está se desenvolvendo. À medida que o número de fundos aumente, a tendência é haver uma aceleração do ritmo de crescimento desse nicho. Marcelo Fedak, chefe da área imobiliária do BTG Pactual, diz que a casa está consultando alguns escritórios de advocacia para ver sua posição sobre a tributação e definir o caminho a ser tomado. Embora minimize o valor a ser pago, ele diz ter preocupação com o futuro desses fundos. “A posição pegou todo mundo de surpresa. O entendimento era de que você consegue ser um player ativo no mercado de fundos, consegue comprar e vender uma posição com o dividendo e o ganho de capital passando sem tributação”, comenta. O BTG não provisionou o passivo, mas Fedak alega que o valor a ser pago não é tão expressivo para o tamanho do fundo. “Nossa preocupação não é tanto o passado e, sim, o futuro”, afirma o executivo, para quem a liquidez do mercado vai secar ainda mais. A posição da Receita não se aplica à pessoa física diretamente, que segue beneficiada pela isenção fiscal sobre dividendos pagos pelos fundos imobiliários, desde que respeitadas condições como a negociação em bolsa e um mínimo de 50 cotistas. Hoje, o pequeno investidor só paga imposto (20%) quando vende a cota de um fundo com ganho de capital. Na prática, contudo, o cotista deve ver seus ganhos diminuírem, já que os fundos terão de arcar agora com uma despesa adicional. “O repasse vai acontecer de forma indireta, porque o rendimento que vai para o cotista é líquido e vai ser menor”, diz o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório N, F&BC Advogados, especializado em mercado imobiliário e de capitais. Para ele, o apelo desse tipo de fundo tende a desaparecer. Impostos não pagos e juros devem sair do patrimônio do fundo; administradores podem ter de pagar multa de 75% sobre principal Segundo o advogado, diante de uma ausência de regulamentação relativa a essa tributação dos fundos de fundos imobiliários, cada administrador tem uma conduta própria. Até então, conta um participante do mercado que prefere não ser identificado, havia um entendimento de que todo ativo não imobiliário era tributado na fonte. Mas a visão era de que a aplicação em cotas de outras carteiras era imobiliária e, portanto, teria isenção quando fosse verificado ganho de capital. “Era algo que não estava expresso na lei”, afirma. Além de um receio com a queda das cotas negociadas em bolsa, o mercado se preocupa com as movimentações no secundário, em parte estimuladas pelos fundos de fundos. Esse nicho ainda tem um papel de elevar a qualidade das carteiras imobiliárias, defendem os participantes, ao analisar a governança e transparência de cada fundo listado. Ao fim de junho, havia 122 carteiras imobiliárias negociadas na BM&FBovespa – outros 109 fundos estão listados apenas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A tributação tende a desincentivar esse segmento, ainda que a parte fiscal não seja o único atrativo do investimento. Em tese, um gestor de fundos de fundos tende a ter um trabalho mais profundo de análise de cada carteira, o que justifica a taxa de administração cobrada. Sem a vantagem tributária, contudo, o custo para o investidor aumenta e a vantagem diminui. Valdery Albuquerque, superintendente de negócios responsável pela área de ativos imobiliários do Banco Fator, diz que a posição da Receita vai ter impacto sobre o fundo da casa, que não havia provisionado a despesa, mas afirma que o efeito será pequeno. “Em primeiro lugar porque nosso fundo tem pouco tempo e, em segundo, porque os fundos em geral tiveram perda de capital, não ganho”, afirma. Albuquerque ressalta que o mercado está se reunindo para discutir a questão e tentar sensibilizar o governo, argumentando que a indústria é muito mais eficiente com a isenção e que esse benefício estaria consistente com a política de incentivos ao mercado de capitais, que englobou recentemente pequenas e médias empresas e debêntures de infraestrutura. “Os administradores vão se reunir nas próximas semanas, fazer as contas e recolher os impostos. Paralelamente, vai haver um esforço institucional para sensibilizar a melhor adequação de não haver tributação do ganho de capital”, aponta o superintendente, que destaca que a principal preocupação se refere à liquidez do mercado. om o estabelecimento da tributação sobre os fundos de fundos, Mário Esteves, sócio da Família Capital, gestora de recursos especializada em investimentos imobiliários, diz considerar que o investimento em fundos de fundos só passa a ter sentido se sua gestão se provar ativa, ou seja, se conseguir gerar retornos acima da média. “A vantagem é que eles conseguem capturar oportunidades nas distorções de mercado, aproveitar a arbitragem, como vemos agora, com muito fundo negociado abaixo do patrimônio líquido”, diz Esteves, para quem carregar essas carteiras apenas para estar posicionado no mercado não faz sentido. Para o sócio da Família Capital, esse tipo de aplicação poderia ser uma porta de entrada para o investidor menos familiarizado com o mercado de fundos imobiliários, mas ele só faz sentido com um gestor que de fato faça a diferença no desempenho. André Freitas, diretor da CSHG Asset Management na área de fundos imobiliários, considera que a tributação sobre os ganhos de capital dos fundos de fundos não era necessária e avalia que a Receita deveria rever a questão. “O mercado ainda é pequeno e (o fundo de fundo) pode ser um grande indutor de crescimento. Depois de grandes oscilações, há grandes oportunidades em cotas. Para a construção de um fundo de fundos, o momento é muito oportuno”, afirma. “Nosso entendimento é que essa tributação é um equívoco. Não inviabiliza, mas torna o produto menos eficiente.” Em período de silêncio, a Gávea Investimentos não comentou o assunto. A Brasil Plural e o Banco J. Safra também preferiram não se posicionar, assim como a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima)."

Fonte: Valor Econômico

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